Blog Infantil
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
Boneca de pano
Carolina olhava tristemente pela vidraça a chuva que caia sem cessar.
O ruido dos carros, o movimento da rua neste final de tarde, fazia com que se lembrasse com saudades de suas tranquilas ferias no campo.
Ela completara sete anos havia alguns meses e era uma menina de porte delicado, pele clara, rosto de traços regulares, emoldurado por cabelos castanhos e cacheados. Porém, o que mais se notava em sua fisionomia eram seus olhos: grandes, escuros e pensativos.
Naquele momento, os meigos olhos de Carolina estavam cheios de lágrimas ao pensar que faltava ainda algum tempo para que pudesse arrumar a sua pequena mala, deixar a casa de altas grades bem protegida dos perigos da grande metrópole e seguir rumo ao sossego da pequena cidade do interior, na gostosa e aconchegante casa de sua avó.
Chegava até a sonhar com os dias felizes de liberdade que o lugarejo lhe proporcionava. Sorria ao lembrar-se dos passeios de bicicleta pelas ruas tranquilas, de pedras tortuosas, cabelos ao vento e a cabeça cheia de sonhos. Como eram divertidas as brincadeiras com os primos, as caminhadas nos bosques e chácaras das redondezas! Que saudades da comida simples e gostosa que a vovó preparava com tanto carinho! E depois, ao fim do dia, que delicia jogar o corpo cansado na cama macia do quarto de paredes altas e irregulares a ouvir o silencio, quebrado sómente pelo canto dos sapos e a sinfonia dos grilos.
Suspirava ao lembrar das noites frias em que, antes de dormir, aconchegada junto à velha lareira, vovó lhe contava histórias maravilhosas sobre seus antepassados. Suas corajosas façanhas, seus momentos de bravura a fascinavam e amedrontavam ao mesmo tempo. Parecia até vislumbrar aqueles fantasmas familiares, com suas roupas antigas, passarem por ela sorridentes e se dirigirem tranquilamente aos outros aposentos.
Lembrava-se também com saudades de sua boneca de pano, a Emilia, nome dado em homenagem à outra boneca, personagem de Monteiro Lobato, cujas histórias vovó muito apreciava e lhe contava seguidamente. Arrependera-se de não tê-la trazido consigo quando voltara para casa. Bem que a vovó insistira mas ela preferira deixá-la, queria que tudo permanecesse igual para quando voltasse.
Sorriu ao recordar o nascimento da boneca numa tarde chuvosa e fria quando também olhava aborrecida pela janela, no entanto, uma paisagem diferente.
" Vovó, o que vamos fazer hoje" - perguntou Carolina. - " Está tão frio e molhado, não posso ir lá fora e...
" Talvez minha querida, podemos fazer juntas uma boneca de pano, uma boneca parecida com a Emilia do sitio do Picapau, o que você acha?" - interrompeu alegremente a vovó.
" Oh que bom vovó, sempre quis ter uma Emilia! Mas como é que vamos fazer?
" Primeiro- respondeu vovó- Vamos reunir todo o material que precisamos. Depois, faremos um belo fogo na lareira e nos sentamos para montar a Emilia".
" Oba! que ideia legal vovó, vamos começar logo"- disse com entusiasmo a menina.
E assim fizeram. Vovó arranjou uns retalhos coloridos, um travesseiro velho que não mais usava e umas canetas coloridas para finalizar os traços da boneca.
Que tarde divertida , lembrava-se a menina. Em pouco tempo a grande lareira aqueceu o ambiente e também os seus corações.
Vovó, que sabia costurar muito bem, começou dando formas ao travesseiro. Fez uma cabeça redondinha, desceu para o pescoço, amarrando cada uma das partes com um barbante para separá-las. Então foi a vez do corpo, um pouco gordinho, mas uma boneca tem que ser bem fofinha, argumentava a vovó.
Depois vieram os braços. Vovó fez dois saquinhos compridos e finos e os preencheu com com um pouco de recheio do travesseiro. Ai foi a vez das pernas, confeccionadas da mesma forma que os braços, só que mais compridas.
A menina batia palmas de contentamento. Em pouco tempo vovó conseguira quase uma boneca.
"E agora vovó, posso escolher as cores das roupas? Quero tudo bem colorido, igual a Emilia! Ah, tem também o cabelo! Como vamos fazer o cabelo?"
" Calma, dizia a vovó - cada coisa ao seu tempo. Vamos então primeiro fazer o cabelo. De que cor você prefere ? "
" Amarelo, igual ao da Emilia " - gritava maravilhada Carolina.
" Então vou pegar meus fios de lã amarelos e vamos começar." - disse a vovó.
A menina vibrava. Em poucos instantes, a boneca tinha longas tranças amarelas e uma franjinha no topo da cabeça.
" Vamos agora trabalhar com as feições dela, acho que quem vai fazer esta parte é você" - disse a vovó estendendo as canetinhas para a menina.
Carolina começou a rabiscar com cuidado os traços da boneca. Estava um pouco temerosa no inicio, depois foi criando confiança. Logo apareceram dois olhos grandes e curiosos, sobrancelhas finas e espevitadas, duas bolinhas como nariz e, quando começou a desenhar a boca ficou em dúvida:
"Vovó, o que você acha? As bonecas de pano sempre tem uma boca para baixo, parecem tristes, mas eu queria a minha com uma cara alegre,não gosto de tristeza !"
" Então faça a boca alegre, virada para cima" disse a vovó.
A menina não teve mais dúvidas, desenhou uma boca grande com os cantos virados para cima.
Quando terminou, olhou maravilhada para a boneca que ainda estava inacabada mas já sorria para ela.
" Vamos agora às roupas. Que tal um vestidinho estampado de vermelho e azul, um aventalzinho xadrês de azul e branco por cima, calcinha branca e sapatinhos amarelos?" - perguntou vovó entusiasmada.
" Legal! que cores lindas! Vão combinar bem com a Emilia" - exclamou Carolina.
As mãos ageis da vovó, num instante aprontaram o vestido. Depois foi a vez do avental, da cacinha e por fim os sapatinhos.
" Em outra tarde chuvosa faremos novas roupinhas para ela" - disse vovó olhando carinhosamente para sua netinha.
Carolina pegou a boneca nos braços e rodopiou com ela pela sala, encantada. Depois beijou a vovó agradecendo:
" Obrigada vovó pela tarde tão gostosa! Pensando bem, não vou levar a Emilia quando voltar para minha casa. Ela não vai se sentir bem lá. A cidade é grande e barulhenta, prefiro que ela fique aqui com você. Vou sentir muitas saudades mas sei que venho sempre para cá nas férias. Você cuida dela para mim, vovó ?"- perguntou ansiosa a menina.
" É claro, minha querida, mas acho que você devia levá-la. Uma boneca alegre e espevitada como a Emilia vai gostar da agitação da cidade."
" Não vovó, não quero mudar nada, quero que tudo esteja igual quando eu voltar nas férias!" -disse a menina pensativa.
Carolina fechou os olhos para tentar reter consigo esta lembranças, quando uma voz carinhosa tirou-a de seus devaneios. Era a mamãe que chegava do trabalho. A menina enxugou os olhos e sorriu para a mamãe que lhe perguntou:
" Você está triste ? O que aconteceu?"
" Nada mamãe estou com saudades da vovó, da Emilia, do campo ... mas já vai passar.
" E se eu te disser que a vovó está vindo para passar uns dias conosco e que vai trazer a Emilia para conhecer a cidade, o que você acha? - perguntou mamãe animada.
A menina deu um salto de alegria. " Que legal mamãe! Mas será que a Emilia vai gostar daqui? Ela não está acostumada com o barulho, pode estranhar a casa, ela...
" É claro que ela vai gostar "- interrompeu a mamãe -e junto com elas vem um pouco do campo, da casa da vovó, de tudo aquilo que você gosta tanto!"
A menina ficou muito feliz. Como seria ter a Emilia em sua casa na cidade? Ela mal poderia esperar para ver a vovó e a Emilia. que coisa gostosa e surpreendente!
Naquela noite, Carolina sonhou com céus azuis e campos verdes onde bonecas iguais a Emilia brotavam da terra como flores.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário